10.06.06 - Fortaleza (CE)
Imagine uma feira livre, com barracas expondo mercadorias, gente nas ruas andando de um lado para o outro, de 20 em 20 segundos pessoas te oferecem artefatos vindos de todas as partes, crianças pedindo dinheiro, aleijados pedindo esmolas com frases _ Ajude um velho cego, Deus lhe dará em dobro. Mulheres prostituindo, religiosos aos cânticos explanando sobre Deus e no meio disso tudo, o palhaço por ofício, passando sua capanga surrada em troca do que comer e dar de comer à família.
Era exatamente assim que estava a beira da praia de Fortaleza: medieval.
...
É preciso dizer que meus sentimentos estão à flor da pele, uma vez que nesse caminho, nessa viagem, os espaços públicos viraram a nossa casa, e as pessoas com suas histórias, nosso maior interesse. As coisas nos afetam profundamente.
Acabamos de chegar do sertão onde se vive como antigamente, na forma, nos hábitos e nas relações. A troca é fundamental e necessária. Tanto a troca emocional como a da manutenção mesmo. Comer, dormir, contribuir, acrescentar, aprender, ouvir, contar, conversar... é vital.
Chegar na cidade grande é um choque difícil.
Assistimos o trabalho do palhaço Coloral (que antes era escrito com U e agora é com L - porque com U é colorau de panela).
Trabalha com um parceiro mestre de pista: Neorlandio.
Pinta o rosto com tinta acrílica porque todas as outras escorrem junto com o suor. _ Essa é a única que firma.
Delimitam a roda jogando água no chão, formando um círculo.
Ele é bom, engraçado, faz roda, junta gente, o povo ri, eu rio, ele ri.
Um momento curioso foi quando um rapaz deficiente físico passou no meio da roda. Ele andava meio arrastado no chão, entortando para um lado e outro .
Coloral rapidamente fez a piada dizendo que o mar tinha virado sertão e que esse caranguejo havia perdido o rumo de casa.
O público riu.
Eu acompanhei com olhos o homem-caranguejo para ver sua reação.
Ele esperava, sorrindo.
Num momento seguinte, quando o foco da roda estava noutro lugar, Coloral foi cumprimentá-lo. Eram amigos.
Mais tarde Coloral me explicou: _ Sempre que ele está por perto e eu estou trabalhando, ele passa para me ajudar com a piada.
... Sobrevivências.